domingo, 7 de outubro de 2007

Marla Olmstead e os dilemas do cinema documentário


Aqueles que lidam com documentário sabem que a questão ética é o calcanhar de Aquiles da representação nesse gênero. E que por trás da própria idéia de representação reside uma das mais ferrenhas controvérsias nesse tipo de cinema. Como saber se a fonte do documentarista, posta diante da câmera, não está mentindo, não se transforma, por vaidade ou presunção, em personagem de si mesmo? Se dentro da própria noção de real não estão se insinuando as tentações da fabulação?

Uma polêmica em andamento nos Estados Unidos tem contribuído para incrementar esse debate em torno da ética no documentário. Amir Bar-Levi é um cineasta californiano e acaba de finalizar seu segundo longa metragem, My kid could paint that. O tema do doc é a menina Marla Olmstead, de 4 anos, que se transformou num fenômeno de mídia ao demonstrar uma habilidade para pintar quadros de forma parecida com grandes pintores, como Picasso, Kandinski e Jackson Pollock. Marla acabou vendendo mais de US$ 300 mil em pinturas.

Em 2004, quando o caso estava em plena evidência, Amir Bar-Lev procurou os pais de Marla e propôs contar a história da menina. Os pais aceitaram, e tudo estava indo bem até que, um ano depois, uma equipe de TV do programa “60 minutes”, da rede CBS, decidiu fazer uma matéria sobre Marla e levantou a hipótese de que tudo não passava de uma fraude. O próprio pai, um pintor amador, é que fazia os desenhos, de acordo com a reportagem, e a menina estaria sendo explorada para fins financeiros. Amir Bar-Levi, já com o seu filme em andamento, viu-se então tragado por um mistério e encurralado por um dilema ético.

Com a chegada do documentário ao circuito comercial, o assunto voltou a ocupar os holofotes da mídia. O repórter Andrew O'Hehir fez uma longa entrevista com Amir Bar-Lev para a revista Salon. O cineasta contou que conseguiu convencer o casal Olmstead a fazer o filme, embora no início tivesse sido questionado se o mesmo seria necessário, pois já havia muita publicidade em torno do assunto. O argumento de Amir foi que o filme “atingiria uma verdade mais profunda, e eles ficariam felizes em mostrar essa verdade aos filho no futuro”.

Inicialmente, segundo Andrew O´Hehir, Amir Bar-Levi acreditava que o filme trataria de uma família americana e seu desejo de aparecer na mídia, por escolha ou por acidente, e da incompreensão e hostilidade do público perante a arte moderna. E, obviamente, do objeto de toda essa história: Marla e seu talento. Com as suspeitas levantadas pelo “60 minutes”, as coisas não foram tão fáceis assim. No final, o filme acabou deixando as conclusões no ar. Quem assistir poderá chegar ao seu próprio veredicto: se Marla é uma fraude ou um gênio artístico. Bar-Levi revela ao seu entrevistador que ainda tem dúvidas, mesmo depois de dois anos envolvido no caso.

Andrew O´Hehir tenta apimentar o debate ao evocar as reflexões da jornalista Janet Malcom sobre ética no jornalismo. Há alguns anos, ela escreveu o livro O jornalista e o assassino (publicado no Brasil pela Companhia das Letras) no qual analisa uma situação em que um jornalista acaba traindo sua fonte, após conquistar sua confiança. À luz dessa traição, Janet concluiu que qualquer jornalista que não for suficientemente tolo ou auto-indulgente deve saber que sua postura é moralmente indefensável. A analogia, no imbróglio dos Olmstead, é se Amir Bar-Levi traiu a confiança da família, ao deixar no ar em seu documentário a possibilidade de engodo. Bar-Levi tenta resumir a coisa toda: “Eu pus minhas dúvidas e suposições, e isso é tudo o que tenho a dizer”. A atitude de Amir Bar-Levi poderia ser enquadrada na categoria de “moralmente indefensável”? Com o filme em exibição na tela grande, a polêmica tende a se avolumar.

Um comentário:

Anônimo disse...

Putz, quero ver esse filme.

RMax

www.robertomaxwell.com