terça-feira, 25 de setembro de 2007

Histórias de vida


Rito é pernambucano, mas adotou Sergipe para viver. Um dia ele decidiu ter um negócio próprio. Foi aí que surgiu a idéia de vender livros. O detalhe: livros de autores sergipanos. No começo foi difícil. Porém o negócio ganhou vida própria.

Rivanda é cabeleireira. Quando tentou os primeiros passos na profissão, foi um desastre. Errou na medida e acabou ferindo sua cliente. Rivanda chorou de desapontamento. Mas não desistiu. Hoje segue o ofício.

Careca é um senhor taciturno. Vendedor de artesanato, está há cinqüenta anos na profissão. É tempo demais. Mas essa foi a vida que lhe coube, e que ele segue com altivez. É conhecido como um dos mais antigos no ramo.

Hortência tem sido citada em trabalhos acadêmicos. E já foi até tema de uma matéria do programa Fantástico, da TV Globo. O que a faz ser tão conhecida? Ela entende tudo de ervas medicinais, produtos que comercializa há mais de 30 anos.

Rito, Rivanda, Careca, Hortência. Todos eles labutam de sol a sol no Mercado Central de Aracaju. E têm rios de histórias para contar. Eles são os personagens do documentário Mercado central –histórias de vida, realizado pela TV Balaio de Notícias. Veja acima.

Já se disse que a vida de qualquer pessoa dá um romance. Sem dúvida. A história não é apenas o resultado da ação dos grandes personagens, como quer parecer uma certa historiografia oficial, com foco nos vencedores. A história é produto de pequenas ações, todas elas perpetradas por gente anônima. É a petite histoire dos franceses.

Essa tese ganha força nos inúmeros exemplos cotidianos, como os de Rito, Rivanda, Careca e Hortência. Como eles, há milhões por esses imensos brasis com um mar de histórias para contar. Resta quem possa ouvi-las e torná-las públicas.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

O mapa da guerra

Quer saber de que lado o vento está soprando na Guerra do Iraque? O que pensam republicanos, democratas e intelectuais americanos sobre o conflito? E de que maneira eles imaginam que os americanos deixarão o país?

A Slate organizou um localizador, um who´s who da guerra, com informações sobre as posições de Bush, Hillary Clinton, Barack Obama, Christopher Hitchens e outros, informando inclusive quem já visitou e quem jamais pisou os pés no Iraque.

Simplificador, dirão.

E é. Em meio aos "pundits", ou "sábios", que preferi traduzir por "intelectuais", faltam críticos de peso ao bushismo, como Noam Chomsky. Ou jornalistas como Seymour Hersh, uma das raras vozes dissonantes na grande mídia americana a se manifestar contrária à invasão desde o início.

Além disso, o organograma da Slate acaba resvalando num maniqueísmo bem a gosto do imaginário americano: ou você é o mocinho, ou é o bandido.

John Wayne contra os peles vermelhas.

Há, porém, um indicador positivo a ser extraído de uma média das opiniões mostradas no localizador da Slate: é preciso encontrar uma solução para a presença americana no Iraque. E esta não será nada fácil.

sábado, 15 de setembro de 2007

Philip Roth, a política e a literatura

Philip Roth tem medo de morrer. Reclama da velhice. Detesta Bush e os republicanos. Atualmente mais relê do que lê: Joseph Conrad, Ivan Turguêniev. No Brasil, chega o seu novo romance, Homem comum.

O jornalista Sérgio D´Avila o entrevistou para a Folha:

FOLHA - Bem, já que o sr. fez previsões tão acertadas há sete anos nesse campo, deixe-me perguntar de novo: quem o sr. acha que será eleito em 2008?

ROTH - Sim, vá adiante, me dê uma nova chance para eu fazer papel de bobo. [Risos] Não tenho a menor idéia. Não tenho idéia de quem será o candidato democrata e não tenho idéia de quem vai ganhar as eleições.

FOLHA - O sr. não acha que a senadora e ex-primeira-dama Hillary Clinton é uma boa aposta, do lado democrata?

ROTH - [Agora cauteloso] Eu simplesmente não sei...

FOLHA - Ok, deixe-me dizer dessa maneira: se as eleições fossem hoje e ela fosse eleita, o que aconteceria segundo as pesquisas de intenção de voto atuais, o sr. acha que mudaria algo ou seria apenas o final de um clichê, a primeira mulher na presidência?

ROTH - Não, não, não, acho que haveria uma mudança. Isso que temos agora é um desastre. Com os democratas vencendo, teremos de volta a política como sempre. Isso aqui agora é um desastre. Os democratas são muito mais preferíveis do que os republicanos. Vamos falar de literatura?

FOLHA - Vamos. Há sete anos, o sr. reclamou que seus amigos estavam morrendo...

ROTH - [Gargalha] Pois isso não parou de acontecer!

FOLHA - Daí o livro ["Homem Comum" começa com um enterro e o tema principal e doença e morte]?

ROTH - Sim, em grande parte. Foi publicado aqui em 2005. Bem, sim, eu tenho ido a muitos funerais e tenho perdido muitos amigos e eu comecei a escrever esse livro no dia seguinte ao funeral de Saul Bellow [escritor, 1915-2005]. O livro não trata de Saul, mas minha cabeça estava profundamente tomada pela inevitabilidade de que todo o mundo que eu conhecia e conheço vai morrer. Então, sim, escrevi como resposta à morte de meu amigo.

Aqui a entrevista completa (só para assinantes).

sábado, 8 de setembro de 2007

A melhor em Veneza

Cate Blanchett foi escolhida a melhor atriz na 64a. edição do Festival de Cinema de Veneza por sua interpretação de Bob Dylan no filme I`m not there, do diretor americano Todd Haynes.

No filme, Cate Blanchett encarna o cantor em sua juventude. A atriz não foi a Veneza, mas agradeceu o prêmio em uma mensagem.

Cate Elise Blanchett é australiana. Poderia ter levado também o prêmio de mais bela atriz não apenas do festival, mas também de Hollywood atualmente. Escolha do blog.

O perigo atômico

O fim da Guerra Fria não pôs fim à corrida armamentista, como poderíamos acreditar. Hoje paira uma ameaça ainda maior sobre o planeta: o acesso à bomba atômica se tornou acessível a países pobres, e não exclusivamente a um rol de nações com dinheiro e cientistas para consegui-la.

Atualmente um terrorista internacional pode obter urânio enriquecido em regiões da Rússia, aproveitando que algumas cidades secretas, erguidas nos tempos da ex-União Soviética, e ainda existentes, abrigam um poderoso arsenal atômico e agora se mantêm vulneráveis após a implosão do comunismo.

William Langewiesche, editor internacional da revista
Vanity Fair, investigou esse perigo em potencial e de sua pesquisa nasceu o livro O bazar atômico, recém-lançado no Brasil.

Langewiesche revela como qualquer país pobre do planeta pode hoje tentar dispor de uma bomba atômica, valendo-se do comércio ilegal e de conhecimento. Possuir um artefato atômico seria a garantia de defesa para esse “pobrerio”, na expressão de Langewiesche, contra a intimidação de nações mais fortes, como os Estados Unidos.

Langewiesche concedeu entrevista radiofônica à NPR.
Abaixo o trecho inicial da conversa disponível no site da emissora:

Como parte da reportagem para o livro, você visitou alguns dos locais onde o urânio enriquecido poderia estar concentrado na Rússia?


Sim, visitei. Existem, como você sabe, 10 cidades secretas a oeste dos Montes Urais, na Rússia, onde o arsenal nuclear soviético foi construído. Essas cidades ainda existem. E ainda são cidades fechadas. Você não pode entrar nelas. Estive lá, como se tivesse em mente um plano terrorista, para investigar se seria difícil conseguir urânio altamente enriquecido.

Só para ficar mais claro, pois alguém que está ouvindo pode pensar: ele está fornecendo um guia para terroristas. O que você está tentando explicar?

Pode até ser um guia. Por outro lado, me garantiram diversas vezes que minhas descobertas são já bem conhecidas em todo o mundo. Um sujeito me disse que eu estava lidando com um nível de informação básica, digna de condecoração por mérito, como se eu fosse um escoteiro. E infelizmente existe informação suficiente para criar uma bomba.

Então você foi até os Montes Urais, na ex-União Soviética, e está tentando pensar como um terrorista. Você tem conhecimento de que em algum lugar naquelas cidades proibidas existe urânio altamente enriquecido. E que você precisa de cerca de 100 libras desse urânio. Que opções você teria?

Bem, há duas opções. Você pode atacar com um comando relâmpago e roubá-lo com mais calma. Mas a idéia de um comando relâmpago não é das melhores, por uma razão: aquelas cidades são bem protegidas. OK, são protegidas por tropas que podem estar bêbadas, ou drogadas, com todo o tipo de problemas morais, mas ainda assim elas podem atirar. E fazer barulho.

O problema maior é que, se você fizer barulho, se você usar um comando para atacar, você terá de fugir do local. E você tem centenas de milhas para percorrer, e poderá ser interceptado. Você terá de conseguir o material físsil de tal forma que os russos não descubram, pelo menos por alguns dias ou talvez nunca.

E como seria o caminho mais prático? Agir por dentro?

Agir por dentro, corrupção. E existe bastante corrupção na Rússia, naturalmente. Mas não é assim tão fácil. Não há muitos estrangeiros naquele lado do mundo. Você seria notado.Você não pode simplesmente chegar e corromper alguém. Isso é algo que tem de ser feito através de intermediários russos, porém é um processo difícil.

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

O tenor pop



Luciano Pavarotti pode não ter sido a voz operística mais potente entre os grandes tenores italianos do século 20, mas foi sem dúvida a mais popular. E foi o tenor mais aberto a uma aproximação com outros universos musicais fora do exclusivo clube da música clássica.

Que o digam os diversos artistas com quem Pavarotti dividiu o palco, astros da música pop de tendências tão distintas como o rei do soul James Brown e roqueiros como Sting, Bono Vox e Brian Adams.

Neste sentido, Pavarotti foi responsável por estreitar o fosso entre o high Brown e o low brow, a alta e a baixa cultura, e assim levar o bel canto a platéias antes inimagináveis. No vídeo acima, Pavarotti canta “Caruso”, do compositor italiano Lucio Dalla.

E abaixo alguns dos mais de trezentos comentários postados por leitores em resposta ao obituário do New York Times:

“Felizmente podemos ainda ouvir suas inúmeras gravações. Mas é simplesmente terrível que não possamos mais ouvi-lo cantar. Ele deixa um vazio para todos nós que amamos ópera.”

“Lembro de estar correndo no frio inverno de Oklahoma, há 30 anos, ouvindo sua voz. Ele era capaz de me emocionar e inspirar até o ponto em que nenhum outro artista conseguiria, e a distância só fez aumentar.”

“Ele tinha a melhor voz, e me levou a amar a ópera.”

“Um mestre de verdade que reinventava a si mesmo e criava nichos de mercados, ou, talvez mais precisamente, mercados de massas. Um verdadeiro otimista que fazia o que fosse possível para levar a música clássica ao mais alto e o mais baixo estrato cultural.

“Sou incapaz de imaginar o mundo da ópera sem sua voz. Ele apresentou sua arte a milhões, platéias emocionadas ao redor do mundo.”

“Sempre reconheci a voz dele no rádio. A outra voz que sempre identifiquei foi Pinza. Peculiaridade não torna uma voz necessariamente grande, contudo, a emoção de uma grande voz que é indelevelmente peculiar é um prazer além de todas as medidas.”

“Mesmo após ter se tornado mais fraca, sua voz ainda seduzia meu coração. Agradeço profundamente a Deus por tê-lo trazido a este mundo com uma voz tão doce e peculiar, e agradeço a ele por tê-la doado tão generosamente.”

“Acho que foi uma grande sorte ter assistido a algumas de suas apresentações e recitais. Sua voz certamente impôs um alto padrão que poucos podem igualar, porém a memória de sua voz permanecerá para sempre conosco.”

“Eu o vi cantando no Metropolitan e depois fui até os camarins. Ele era o mais adorável e educado dos homens. Ele sentou-se e conversou comigo, beijou as mãos de minhas amigas. Irradiava o que só posso descrever como calor e carisma superhumanos.”

“A perda de sua voz maravilhosa não pode ser calculada. Estou ouvindo-o cantar ´Uma furtiva lágrima´ neste momento. Mal posso escrever por causa das minhas lágrimas.”

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Robert Fisk e a guerra

Robert Fisk esteve no Brasil para participar da Flip de Paraty e lançar seu livro A grande guerra pela civilização, com quase 1.500 páginas, um impressionante inventário de seus 31 anos de carreira jornalística.

Concedeu várias entrevistas. Em todas apareceu como um homem passional, de raciocínio rápido, que não hesita em expor suas opiniões polêmicas e tomar o partido dos mais fracos e oprimidos nos conflitos de guerra. Mostrou-se vigoroso defensor do jornalismo como desafio da autoridade, uma postura cada vez mais posta em xeque, principalmente na imprensa americana, por ele duramente criticada.

A Revista Trip também o entrevistou:

Como o senhor vê a cobertura de guerras hoje em dia?
Eu me lembro de quando os jornalistas americanos chegaram em Bagdá em 2003. Eu estava perto dos iraquianos, onde as bombas caíam, não estava acompanhando as tropas "aliadas" como quase todos. E aqueles jornalistas todos com cabelo cortado como soldados, usando algum uniforme militar, fumando cigarros e fazendo cara de mau. Era tão nítido que estavam representando um papel, algo que haviam visto na TV. É mais seguro? Sim. Mas não é o que eu chamo de jornalismo.

O que é jornalismo para o senhor?
Contar o que realmente está acontecendo, mas com uma premissa básica, que é desafiar a autoridade. Sempre, é o mais importante. Hoje a imprensa se acovardou ou se aproximou demais dos governos para questioná-los de fato. Os jornais repetem a retórica dos governos ocidentais sem o menor senso crítico. Dessemantizam tudo, distorcem a linguagem para que ninguém possa discordar. Chamam o muro que Israel construiu de cerca, os assentamentos de territórios disputados. E a palavra “terrorismo” então! Eu jamais a usaria no sentido comum.

Por quê?
Terror, terror, terror! Para que serve isso? Para gerar medo. E criar uma divisão definitiva de bem e mal. E vira a permissão moral para a violência de Estado de um modo vergonhoso. Quando se combate o terror vale tudo. Podemos torturar, matar crianças, mentir, esconder, manter Guantánamo. Porque estamos combatendo o “terror”. Ora, sejamos claros... o Ocidente fez atrocidades com o Oriente Médio durante tempo demais. E, pela nossa completa ignorância histórica, querem nos convencer de que eles nos odeiam porque somos livres.

Os militares, a tortura e o exemplo uruguaio

No Brasil, o lançamento do livro Direito à memória e à verdade reaviva o tema ditadura militar. Reavivar é forma de dizer. O período do regime militar permanece como um assunto não resolvido na sociedade brasileira. Aqui a Lei da Anistia, de 1979, lançou um perdão geral e irrestrito para os dois lados: ativistas da luta armada e militares.

O mesmo se deu no Uruguai. Em 1986 foi aprovada a lei da Caducidad. Mais de vinte anos depois, movimentos sociais se organizam para anulá-la.

Não se fala em revanchismo, ou vingança tardia. O objetivo, de acordo com Luis Puig, secretário dos direitos humanos da central trabalhadora PIT-CNT, é acabar com a cultura da impunidade na sociedade uruguaia.

Por causa dessa lei, militares e policiais que seqüestraram, mataram e ocultaram cadáveres não podem ser julgados e condenados.

Somente agora, durante o governo de Tabaré Vázquez, é que uma brecha na lei começou a ser explorada, permitindo que delitos praticados pelos militares fora do país possam vir a ser julgados. Graças a esse precedente é que os destinos de 40 uruguaios seqüestrados em Buenos Aires e levados para o Uruguai começaram a ser investigados.

Os reflexos se fazem sentir. Onze militares e policiais aguardam sentença em prisão especial, denúncias de assassinatos contra opositores da ditadura militar uruguaia estão sendo investigadas por seis tribunais e escavações em quartéis militares e covas clandestinas foram ordenadas pelo governo.

Portanto, decisões muito mais corajosas e efetivas do que a publicação – muito tardia, é bom ressaltar – de um livro à guisa de inventário do terror de Estado.