terça-feira, 27 de novembro de 2007

Futebol, tragédias e memória


Faltou à mídia uma pitada de pesquisa histórica sobre a tragédia da Fonte Nova, ocorrida no último domingo, quando 7 torcedores morreram e cerca de 60 ficaram feridos. Essa não foi a primeira vez que o estádio foi palco de sangue, suor e lágrimas. No dia 4 de março de 1971, a Fonte Nova foi reinaugurada. Os dois jogos marcados para a ocasião atraíram um público estimado de 112 mil pessoas. A capacidade oficial era de 96.640.

No primeiro jogo, o Bahia venceu o Flamengo por 1 x 0. Eram 19h quando prosseguia o segundo jogo, com o Vitória empatando com o Grêmio em 0 x 0.

De repente, um boato de que o estádio estava desabando. Foi o estopim para que os torcedores assustados começassem a pular das arquibancadas superiores para a parte de baixo.

Saldo da tragédia: 2 mortos e 2.068 feridos.

A Fonte Nova permaneceu fechada por algum tempo, e naquele ano o Bahia precisou se deslocar até Aracaju para disputar o campeonato nacional. Sua nova casa seria o Batistão, na época um dos maiores estádios de futebol do Norte-Nordeste.

Este blogueiro, então um moleque de calças curtas, torceu e sofreu pelo clube baiano, que vivia uma de suas melhores fases. Eu vi Baiaco infernizar algumas das defesas mais poderosas da época. E vi ainda Douglas e Zé Pequeno, eternamente gravados na galeria dos grandes craques do Bahia.

A Copa de 1970 acontecera um ano antes. Os campeões do México estavam todos bem ali, em atividade, atuando por seus times. O futebol brasileiro vivia em estado de graça. Eu vi Tostão, vestido com elegância no uniforme azul e branco do Cruzeiro – memória, não estarei equivocado? –, driblar uma seqüência de adversários e meter a bola com perigo num impossível espaço na pequena área.

E vi e me decepcionei com Rivelino, o “canhão da copa”. Estrela do Corinthians, Rivelino investia no ataque como que possuído por uma fúria de dançarino flamengo. Lá pelas tantas, uma falta nas imediações da grande área. Barreira, firulas, bola ajeitada. E Rivelino se prepara para a cobrança. Suspense absoluto. A voz de trovão do locutor da emissora de rádio valoriza o instante. Rivelino corre. O chute pegou na bola por baixo. Venceu a barreira. Subiu. Um pouco mais alto. E mais alto. E voou sobre a trave, e o que veio depois eu já não me lembro. Mas sei que, naquele pequeno ato, naquele chute desperdiçado, revelou-se, aos olhos do menino, a falibilidade dos heróis.

A tragédia da Fonte Nova ainda estava viva na memória, como um fantasma ameaçador em estádios superlotados. E o Batistão vivia seus dias de glória. E foi numa dessas partidas, no meio de uma tarde – seria sábado ou domingo? -, que aconteceu outro quase-desastre. Um refletor estourou, e foi assim como num piscar de olhos, como uma senha para a fuga: a multidão disparando em todas as direções, como um rebanho sem controle. Fui salvo pelo reflexo do pai, que me segurou pela camisa.

Foram apenas segundos, mas é quase como uma eternidade. O sangue quente e a tensão que latejava nas têmporas. O coração em descontrole. As pernas bambas de pavor.

Constatado o engano, tudo voltou ao normal. Veio o momento da partida. Mais emoções naquela tarde longínqua. 1971. O futebol ainda não era sinônimo dessa violência gratuita. Doce lembrança.

Foto: Correio da Bahia

domingo, 11 de novembro de 2007

O adeus do grande rebelde


"Norman Mailer dedicou toda sua vida a perseguir o romance definitivo e essa busca o levou a escrever quase 40 obras entre ficção, ensaio, biografias, poesia e teatro, além de centenas de artigos. Seu talento foi reconhecido com quase todos os prêmios literários, incluídos dois Pulitzer por Os exércitos da noite e A canção do carrasco, ainda que nunca tenha conseguido o ansiado Nobel."

"Elogiado e vilipendiado por igual, seu nome não pôde separar-se dos confrontos políticos nos Estados Unidos das últimas seis décadas, nos quais sua voz serviu de açoite contra os excessos do governo na era McCarthy e da consciência coletiva durante a guerra do Vietnã, e também de agitador em movimentos como o feminista. Sua pena brilhante está unida ao nascimento do chamado novo jornalismo, a corrente que no fim dos anos sessenta aplicou o ardor narrativo de romance ao relato da não-ficção, transformando o panorama literário nos Estados Unidos."

Em dois parágrafos sucintos, O El País resume a importância do escritor Norman Mailer no cenário literário e político dos Estados Unidos, sobretudo nos anos 60, quando ele despontou como um dos grandes rebeldes da vida americana.

domingo, 21 de outubro de 2007

O DNA ao alcance de um clique


Com a promessa de tantas convergências para um futuro não muito distante, mais uma tem sido anunciada: a da tecnologia com a biologia.

Esse cenário está sendo vislumbrado por Craig Venter, um pioneiro nos estudos da genética.

Ao participar dum fórum sobre tecnologia, Craig Venter trouxe a novidade: poderemos mapear nosso DNA mediante uma simples pesquisa no Google.

O serviço está longe de ser oferecido gratuitamente. A cifras atuais, custará algo como U$ 300 mil. Isto, segundo Craig, por causa do atual nível dos processadores. Porém, com o avanço veloz da tecnologia, os custos tendem a baixar.

Em termos de ganho para a saúde, a importância desse cruzamento é inegável: poderemos conhecer de antemão nossas predisposições para desenvolver doenças no futuro. E isso vai implicar diretamente na qualidade e controle da saúde dos rebentos.

Para Craig Venter, essa possibilidade não está muito distante.

Contudo, o recurso traz novos desafios quanto à segurança, pois a privacidade das informações estará em risco. É o eterno preço da virtualidade.

O fantasma da fome


O livro acima, cuja tradução do título é “Nutrir a humanidade”, foi escrito pelo economista e engenheiro francês Bruno Parmentier, atual diretor da École Supérieure d´Agiculture d´Angers, na França.

Há muito tempo ele se dedica a pesquisar o futuro da alimentação. Depois de publicar o livro, se tornou uma celebridade.

Bruno Parmentier exibe pouco otimismo sobre o que nos espera lá na frente.

“A população deverá se estabilizar entre 9 e 10 bilhões de pessoas. Significa que acolheremos no planeta um bilhão de novos asiáticos, cerca de 800 milhões de novos africanos, 400 milhões de novos latino-americanos. Então temos de nos colocar a questão: haverá alimento para todos?”, indaga ele em entrevista concedida à jornalista Laura Greenhalgh, do Estadão.

Essa preocupação de Bruno Parmentier parece ressoar velhas teses malthusianas sobre o crescimento exponencial da população. Mas sua análise inclui novos ingredientes à ameaça da fome ao futuro do planeta, como as agressões ao meio ambiente e os modelos econômicos.

A entrevista completa de Bruno Parmentier pode ser lida aqui.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

O brasileiro e a informação


"A internet já se tornou a fonte primária de informação para 7% dos brasileiros, segundo pesquisa recém-divulgada pelo Pew Research Center, aqui de Washington.

Já ultrapassou o rádio (4%), as revistas (1%) e não está distante dos jornais impressos (12%).

Segundo a pesquisa, a televisão é a fonte primária de informação para 76% dos brasileiros.

Combinando a fonte primária e a secundária, os números mudam.

A televisão salta para 92%, os jornais para 51%, o rádio para 32%, as revistas sobem para 4% e a internet também aumenta seu alcance, para 16%.

A pesquisa justifica investimentos como o canal gratuito de notícias da TV Record, a possível abertura do sinal da Globonews bem como uma emissora pública de alcance nacional - formas de ampliar as fontes de informação dos brasileiros.

O país em que a internet tem maior importância como fonte primária de notícias é a Coréia do Sul, com 20%, seguida da República Tcheca com 19%, os Estados Unidos com 17%, a Eslováquia com 15%, a Suécia com 14%, Israel e o Canadá com 11%, a Alemanha com 9% e a França e Itália, com 8%".

No site Viomundo, de Luiz Carlos Azenha.

domingo, 7 de outubro de 2007

Marla Olmstead e os dilemas do cinema documentário


Aqueles que lidam com documentário sabem que a questão ética é o calcanhar de Aquiles da representação nesse gênero. E que por trás da própria idéia de representação reside uma das mais ferrenhas controvérsias nesse tipo de cinema. Como saber se a fonte do documentarista, posta diante da câmera, não está mentindo, não se transforma, por vaidade ou presunção, em personagem de si mesmo? Se dentro da própria noção de real não estão se insinuando as tentações da fabulação?

Uma polêmica em andamento nos Estados Unidos tem contribuído para incrementar esse debate em torno da ética no documentário. Amir Bar-Levi é um cineasta californiano e acaba de finalizar seu segundo longa metragem, My kid could paint that. O tema do doc é a menina Marla Olmstead, de 4 anos, que se transformou num fenômeno de mídia ao demonstrar uma habilidade para pintar quadros de forma parecida com grandes pintores, como Picasso, Kandinski e Jackson Pollock. Marla acabou vendendo mais de US$ 300 mil em pinturas.

Em 2004, quando o caso estava em plena evidência, Amir Bar-Lev procurou os pais de Marla e propôs contar a história da menina. Os pais aceitaram, e tudo estava indo bem até que, um ano depois, uma equipe de TV do programa “60 minutes”, da rede CBS, decidiu fazer uma matéria sobre Marla e levantou a hipótese de que tudo não passava de uma fraude. O próprio pai, um pintor amador, é que fazia os desenhos, de acordo com a reportagem, e a menina estaria sendo explorada para fins financeiros. Amir Bar-Levi, já com o seu filme em andamento, viu-se então tragado por um mistério e encurralado por um dilema ético.

Com a chegada do documentário ao circuito comercial, o assunto voltou a ocupar os holofotes da mídia. O repórter Andrew O'Hehir fez uma longa entrevista com Amir Bar-Lev para a revista Salon. O cineasta contou que conseguiu convencer o casal Olmstead a fazer o filme, embora no início tivesse sido questionado se o mesmo seria necessário, pois já havia muita publicidade em torno do assunto. O argumento de Amir foi que o filme “atingiria uma verdade mais profunda, e eles ficariam felizes em mostrar essa verdade aos filho no futuro”.

Inicialmente, segundo Andrew O´Hehir, Amir Bar-Levi acreditava que o filme trataria de uma família americana e seu desejo de aparecer na mídia, por escolha ou por acidente, e da incompreensão e hostilidade do público perante a arte moderna. E, obviamente, do objeto de toda essa história: Marla e seu talento. Com as suspeitas levantadas pelo “60 minutes”, as coisas não foram tão fáceis assim. No final, o filme acabou deixando as conclusões no ar. Quem assistir poderá chegar ao seu próprio veredicto: se Marla é uma fraude ou um gênio artístico. Bar-Levi revela ao seu entrevistador que ainda tem dúvidas, mesmo depois de dois anos envolvido no caso.

Andrew O´Hehir tenta apimentar o debate ao evocar as reflexões da jornalista Janet Malcom sobre ética no jornalismo. Há alguns anos, ela escreveu o livro O jornalista e o assassino (publicado no Brasil pela Companhia das Letras) no qual analisa uma situação em que um jornalista acaba traindo sua fonte, após conquistar sua confiança. À luz dessa traição, Janet concluiu que qualquer jornalista que não for suficientemente tolo ou auto-indulgente deve saber que sua postura é moralmente indefensável. A analogia, no imbróglio dos Olmstead, é se Amir Bar-Levi traiu a confiança da família, ao deixar no ar em seu documentário a possibilidade de engodo. Bar-Levi tenta resumir a coisa toda: “Eu pus minhas dúvidas e suposições, e isso é tudo o que tenho a dizer”. A atitude de Amir Bar-Levi poderia ser enquadrada na categoria de “moralmente indefensável”? Com o filme em exibição na tela grande, a polêmica tende a se avolumar.

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Paraíso liberado


E você acha que se prostituir é algo errado?
De maneira alguma! É o meu corpo e eu faço o que eu quiser com o meu corpo. Para mim, as únicas coisas erradas são roubar e matar. Nunca tive vergonha de assumir ser prostituta. Mas tem uma diferença: tive coragem de mostrar quem eu era porque saí da casa dos meus pais com 17 anos, não tive essa preocupação de “o que é que meus pais vão pensar em relação ao que estou fazendo?”. As meninas geralmente escondem o rosto porque escondem da família e dos amigos o que fazem.

A maioria das meninas se prostitui por vontade própria ou porque não têm outra opção?
Porque quer. Isso é um tabu muito grande. As pessoas pensam que as meninas são todas coitadinhas, que não tiverem educação, não têm apoio da família, etc. Mas, durante os três anos em que me prostitui, trabalhei com muitas mulheres e, conversando com elas, eu senti que elas se prostituíam porque queriam, porque tinham vontade, para unir o útil ao agradável. Elas gostavam de fazer sexo e gostavam do dinheiro que o sexo proporcionava.

O que você acha do turismo sexual e dos homens que vão ao Brasil em busca das mulheres? Deveria ser algo proibido?
Acho que não deveria ser proibido. Considero isso normal, acho que, se fosse o contrário, se aqui fosse proibido – ou considerado pecado – o homem sair com uma garota de programa, com certeza os brasileiros iriam procurar outro país mais libertário em relação ao sexo. Mas há um detalhe sobre o turismo sexual aqui no Brasil: em razão do sexo (o valor do programa) ser muito barato aqui quando comparado aos países europeus. Então é por isso que aqui um europeu ou um americano acaba “fazendo a festa”, simplesmente porque sai muito barato para eles. Posso dar o meu exemplo: eu cobrava R$150 por hora. Isso, na época, era 50 euros. Imagina, 50 euros para fazer sexo é muito barato, praticamente de graça. E é isso que chama muito a atenção aqui também: o preço barato.

Bruna Surfistinha na revista Jungle Drums.

Passaporte para a América



Sabe aquele sonho de um dia estudar nos Estados Unidos? Pois ele está aqui. A Universidade de Berkeley, uma das mais famosas na terra do Tio Sam, entrou na era da educação online.

Detalhe: via You Tube.

Mais de 300 horas de aula já foram disponibilizadas. Com a iniciativa, Berkeley é a primeira universidade a divulgar cursos completos na Internet.

A UCLA, como é mais conhecida, possui 10 campi espalhados pela ensolarada Califónia. Abriga em seu corpo docente um elenco estrelar de ganhadores do Prêmio Nobel, a maior concentração per capita de nobéis do mundo numa única universidade, segundo a wikipedia.

Portanto, welcome to Berkeley.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Histórias de vida


Rito é pernambucano, mas adotou Sergipe para viver. Um dia ele decidiu ter um negócio próprio. Foi aí que surgiu a idéia de vender livros. O detalhe: livros de autores sergipanos. No começo foi difícil. Porém o negócio ganhou vida própria.

Rivanda é cabeleireira. Quando tentou os primeiros passos na profissão, foi um desastre. Errou na medida e acabou ferindo sua cliente. Rivanda chorou de desapontamento. Mas não desistiu. Hoje segue o ofício.

Careca é um senhor taciturno. Vendedor de artesanato, está há cinqüenta anos na profissão. É tempo demais. Mas essa foi a vida que lhe coube, e que ele segue com altivez. É conhecido como um dos mais antigos no ramo.

Hortência tem sido citada em trabalhos acadêmicos. E já foi até tema de uma matéria do programa Fantástico, da TV Globo. O que a faz ser tão conhecida? Ela entende tudo de ervas medicinais, produtos que comercializa há mais de 30 anos.

Rito, Rivanda, Careca, Hortência. Todos eles labutam de sol a sol no Mercado Central de Aracaju. E têm rios de histórias para contar. Eles são os personagens do documentário Mercado central –histórias de vida, realizado pela TV Balaio de Notícias. Veja acima.

Já se disse que a vida de qualquer pessoa dá um romance. Sem dúvida. A história não é apenas o resultado da ação dos grandes personagens, como quer parecer uma certa historiografia oficial, com foco nos vencedores. A história é produto de pequenas ações, todas elas perpetradas por gente anônima. É a petite histoire dos franceses.

Essa tese ganha força nos inúmeros exemplos cotidianos, como os de Rito, Rivanda, Careca e Hortência. Como eles, há milhões por esses imensos brasis com um mar de histórias para contar. Resta quem possa ouvi-las e torná-las públicas.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

O mapa da guerra

Quer saber de que lado o vento está soprando na Guerra do Iraque? O que pensam republicanos, democratas e intelectuais americanos sobre o conflito? E de que maneira eles imaginam que os americanos deixarão o país?

A Slate organizou um localizador, um who´s who da guerra, com informações sobre as posições de Bush, Hillary Clinton, Barack Obama, Christopher Hitchens e outros, informando inclusive quem já visitou e quem jamais pisou os pés no Iraque.

Simplificador, dirão.

E é. Em meio aos "pundits", ou "sábios", que preferi traduzir por "intelectuais", faltam críticos de peso ao bushismo, como Noam Chomsky. Ou jornalistas como Seymour Hersh, uma das raras vozes dissonantes na grande mídia americana a se manifestar contrária à invasão desde o início.

Além disso, o organograma da Slate acaba resvalando num maniqueísmo bem a gosto do imaginário americano: ou você é o mocinho, ou é o bandido.

John Wayne contra os peles vermelhas.

Há, porém, um indicador positivo a ser extraído de uma média das opiniões mostradas no localizador da Slate: é preciso encontrar uma solução para a presença americana no Iraque. E esta não será nada fácil.